EMENTA
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. LEI N. 11.051/2004. 1. Antes do advento da Lei n. 11.051/2004, não era possível decretar de ofício a prescrição de créditos tributários. 2. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 432.540 – MA – 2ª Turma – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJ 26.02.2007)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília, 11 de abril de 2006 (data do julgamento).
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo Estado do Maranhão com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que restou ementado nos seguintes termos:
"TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO EX OFFICIO. 1. Constatada a inutilidade da suspensão da execução, do envio ou manutenção do processo em arquivo precário, em razão da prescrição tributária, correta a decisão que extingue o processo com fundamento nos arts. 269, IV, do CPC e 174 do CTN. 2. Remessa e recurso voluntário improvidos." (fl. 74).
Sustenta o recorrente a impossibilidade de decretação ex officio da prescrição intercorrente nos processos executivos fiscais, apontando negativa de vigência aos arts. 2º e 219, § 5º, do CPC; 162 e 166, do Código Civil e 40 e parágrafos, da Lei n. 6.830/80.
Decorrido o prazo sem apresentação das contra-razões (fl. 109), subiram os autos após juízo positivo de admissibilidade na origem.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
A súplica merece êxito.
Prospera a irresignação do recorrente quanto à prescrição. Entretanto, conquanto tenha esta Corte entendimento iterativo quanto à questão debatida nos autos – possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição na seara tributária –, afigura-se-me importante tecer algumas considerações, ainda que divergentes, acerca do tema.
Autoriza o art. 150, I, da CF/88 a instituição de tributos por meio de lei. Com efeito, descreve o comando normativo a hipótese em que o tributo é devido, é o que se denomina hipótese de incidência. Concretizada esta pela ocorrência do fato gerador, nasce a obrigação tributária, que nada mais é que "o vínculo jurídico por força do qual o particular sujeita-se a ter contra ele feito um lançamento tributário" (Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, 26a edição, Editora Malheiros, pág. 179). Diante da existência da obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, o Estado procede ao lançamento para constituição, em seu favor, do crédito tributário.
Embora se trate de institutos distintos, a extinção do crédito tributário importa, de igual modo, na extinção da obrigação tributária. Consoante determina o art. 113, § 1º, do CTN, a "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente" (sem grifo no original).
O crédito tributário, a teor do disposto no art. 156, V, do CTN, extingue-se em virtude da ocorrência da prescrição e da decadência. Ora, num primeiro momento, podemos aplicar esses institutos – tal qual determina a teoria geral do direito aplicável no patamar do direito civil – no sentido de que a prescrição seja a morte da pretensão de determinado direito subjetivo pelo decurso do tempo legalmente previsto para o seu exercício. Ou seja, transcorrido o lapso temporal, o direito resguardado fica sem pretensão (ação de direito material), malgrado ainda existir. Com efeito, persistindo o direito, nada impede que a ação ainda seja proposta, cabendo ao réu, parte que se beneficia com a ocorrência da prescrição, invocá-la e, por conseqüência, ensejar a extinção do processo com julgamento do mérito (CPC, art. 269, IV). Contudo, faculta-se ao réu invocar ou não a ocorrência do prazo prescricional, já que lhe é facultado, de igual modo, satisfazer o interesse do autor. Daí, concluo que a invocação do instituto da prescrição, no âmbito do direito civil, constitui mera faculdade, ou melhor, um interesse renunciável. Sendo renunciável, não pode o órgão julgador invocá-lo de ofício. Questão diversa é o instituto da decadência, o qual atinge o próprio direito. Nessa hipótese, ocorre a morte do próprio direito (potestativo ou formativo), podendo, por isso, sua ocorrência ser decretada de ofício pelo órgão julgador, em razão da aplicação do princípio iura novit et curia.
Na seara do direito tributário, entretanto, a aplicação dos institutos da prescrição e da decadência se dá de forma diferente. Como já dito, a extinção do crédito tributário, nos termos do disposto no art. 113, § 1º, do CTN, importa em extinção da obrigação tributária. Preceitua ainda o art. 156, V, do CTN, expressamente, que a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário. Nesse contexto, concluo que a ocorrência da prescrição não atinge tão-só a pretensão para a cobrança do crédito tributário, atinge, de igual modo, o próprio crédito, vale dizer, o próprio direito material.
Assim, ocorrendo a prescrição do crédito tributário, o Fisco não pode mais exigir o pagamento do tributo, sob pena de ferir o princípio da legalidade, elevado à categoria de dogma constitucional pelo art. 150, I, da Constituição Federal e segundo o qual é vedado a Fazenda Pública exigir tributo sem lei que o estabeleça.
Ora, se a lei, em razão da prescrição, fulmina de morte não só o crédito, mas também a obrigação tributária, e nesta reside o direito do Fisco de exigir o tributo, forçoso é concluir que, não existindo este, não há, em síntese, "direito" que o juiz possa entregar à parte (Fazenda), razão por que entendo que a prescrição do crédito tributário pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, uma vez que ela gera a morte da própria obrigação tributária (direito).
Não obstante a minha singular e isolada posição, adoto, em respeito à orientação desta Corte, o entendimento de que, em se tratando de prescrição de créditos tributários, não é possível sua decretação de ofício. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO EXECUTIVA FISCAL. COBRANÇA DE IPTU. NULIDADE DA CDA AFASTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA DO EXECUTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Execução fiscal ajuizada pela Fazenda Municipal de Porto Alegre/RS em face de TANIA MARIA BECKER DO SACRAMENTO objetivando satisfazer débito tributário de IPTU. Sentença decretando a nulidade da CDA e reconhecendo de ofício a prescrição quanto aos exercícios de 1994-1996. Interposta apelação pelo Município, o TJRS negou-lhe provimento, mantendo integralmente a decisão recorrida em razão dos vícios constantes da Certidão da Dívida Ativa e da possibilidade de reconhecimento ex officio da ocorrência de prescrição. Recurso especial do ente público alegando violação dos arts. 219 do CPC, 194 do CC e 2º da Lei nº 6.830/80, em razão da não-concessão de prazo para a substituição da CDA. Afirma, ainda, que ao juiz é defeso declarar de ofício a prescrição. 2. ‘(…) a nulidade da CDA não deve ser declarada por eventuais falhas que não geram prejuízos para o executado promover a sua defesa,’ (REsp nº 660.623/RS, Min. Luiz Fux, DJ de 16.05.2005, p. 252) 3. É pacífico o posicionamento desta Corte no sentido de que, em se tratando de direito patrimonial (disponível), a prescrição não pode ser declarada de ofício, sob pena de subjugar o prescrito no art. 219, § 5º, do CPC. 4. Recurso especial provido." (Primeira Turma, REsp n. 798.869/RS, relator Ministro José Delgado, DJ de 20.2.2006.)
"TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CDA QUE ENGLOBA NUM ÚNICO VALOR A COBRANÇA DE MAIS DE UM EXERCÍCIO. NULIDADE. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004. 1. É nula a CDA que engloba num único valor a cobrança de mais de um exercício (REsp 733.432/RS, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 08.08.2005). 2. A jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que ‘o reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil’ (RESP 655.174/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 09.05.2005). 3. Ocorre que o atual parágrafo 4º do art. 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos. 4. Recurso especial a que se dá parcial provimento." (Primeira Turma, REsp n. 800.853/RS, relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 20.2.2006.)
A título de elucidação, ressalto que, em 11/12/2004, foi editada a Lei n. 11.051, que acrescentou o parágrafo 4º ao art. 40 da Lei n. 6.830/80, autorizando a decretação de ofício da prescrição intercorrente com a seguinte redação: "Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvir a Fazenda Pública, poderá reconhecer a prescrição e decretá-la de imediato". Nesse panorama, perfilhando da mesma conclusão consignada no julgamento do Recurso Especial n. 800.853 (rel. Min. Teori Albino Zavascki), entendo que o novel regramento tem natureza processual e que, por isso, alcança os processos em curso. Sendo assim, advirto que pode o feito, ao retornar a Corte a quo, ser julgado sob o prisma da Lei n. 11.051/2004.
Diante dessas considerações, conheço do recurso e dou-lhe provimento.
É como voto.