Torna-se irrelevante o fato de haver sido erroneamente endereçado o pedido de " habeas corpus", se corrigido o equívoco com a remessa do instrumento ao órgão julgador competente, em que regularmente processado.
– O Promotor de Justiça, ao ameaçar o Oficial de Registro de Imóveis com a propositura de ação penal por ato de improbidade administrativa, em caso de recusa em proceder à averbação de áreas de reserva florestal em atos de transmissão de imóveis, assume a condição de autoridade coatora em "habeas corpus" impetrado pelo titular da serventia, pouco importando que a recomendação ameaçadora tenha origem em expediente encaminhado pela Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente – CAO-MA.
– Estando o paciente a cumprir orientação da Corregedoria-Geral de Justiça, fincada em decisão da Corte Superior do Tribunal de Justiça atinente a averbação de reserva florestal no registro imobiliário, não há, nem mesmo em tese, ato de improbidade administrativa a embasar pedido de prisão e propositura de ação penal com lastro nesta matéria.
Habeas Corpus nº 1.0000.05.419775-1/000 – Comarca de Araxá – Relator: Des. Antônio Carlos Cruvinel
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminares e conceder a ordem.
Belo Horizonte, 06 de setembro de 2005. – Antônio Carlos Cruvinel – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
O Sr. Des. Antônio Carlos Cruvinel – Olavo de Carvalho Júnior, Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Araxá-MG, requer "habeas corpus" preventivo, sustentando, em síntese, "que a autoridade apontada como coatora o ameaça de ‘medidas criminais’ por ato de improbidade administrativa caso não cumpra o comunicado pelo Ofício nº 77MP/2005, ou seja, caso não proceda à averbação das áreas de reserva legal em todos os atos de transmissão, a qualquer título, e remeta, semanalmente, à Curadoria de Defesa do Meio Ambiente a relação de prenotações relativas à propriedade rural; aduz, também, que se encontra em uma desconfortável posição, pois, se cumprir a recomendação contida no Ofício nº 77MP/2005, estará sujeito às sanções da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, que determina seja respeitada a decisão da Corte Superior do Tribunal de Justiça, que deu interpretação diversa à matéria sobre a averbação de reserva legal".
A pretendida liminar foi indeferida pelo despacho de fl. 33.
A digna autoridade apontada como coatora prestou as informações de f. 38, aduzindo: a) a peça vestibular se encontra endereçada à autoridade não competente, ou seja, ao Juiz de Direito Diretor do Foro da Comarca de Araxá; b) que a autoridade ameaçadora seria o Diretor do Centro de Apoio Operacional – Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, uma vez que apenas encaminhou a recomendação deste órgão através de ofício; que a Corte Superior do Tribunal de Justiça apenas suspendeu a eficácia dos Provimentos nºs 050/2000 e 092/2003, da Corregedoria-Geral de Justiça, em direção oposta à legislação em vigor, quer no âmbito constitucional quer no infraconstitucional.
O Promotor de Justiça, Dr. Rodrigo Cançado Anaya Rojas – Coordenador do CAO-MA, também ofereceu as informações de fls.7//72, batendo-se, em última análise, pela obrigatoriedade da averbação da reserva legal pelos notários.
A douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do eminente Procurador Dr. Fernando Antônio Fagundes Reis, opina pelo não-conhecimento da impetração.
É o relatório.
Com referência ao endereçamento errôneo do pedido inicial, é fato irrelevante, visto que o despacho de fl. 28 corrigiu o erro ou equívoco, determinando a remessa do instrumento de "habeas corpus" para este Tribunal de Justiça, onde restou regularmente processado.
Por igual, irrelevante é a sustentada "ilegitimidade passiva", porque efetivamente quem ameaçou o requerente com a propositura de medidas criminais, por ato de improbidade administrativa, foi a autoridade apontada como coatora, que assinou o Ofício de nº 77MP/2005 (fl.06), materializando-se a recomendação da Curadoria de Defesa do Meio Ambiente; aliás, é bom repetir que o órgão do Ministério Público é uno e indivisível, possuindo atribuições, e não competência, pouco importando se a recomendação ameaçadora se originou de expediente encaminhado ao Promotor de Justiça da Comarca de Araxá pela Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente – CAO-MA.
Rejeitam-se, portanto, as preliminares.
É certo que a recomendação contida no Ofício nº 77MP/2005 é no sentido de se cumprirem os Provimentos nºs 50/200 e 92/2003, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, fazendo-se as averbações de reserva florestal em toda e qualquer transcrição imobiliária, sob pena de processo criminal por "ato de improbidade administrativa".
No Mandado de Segurança nº 343454-5/00, da Comarca de Andrelândia, agilizado e aviado pelo órgão do Ministério Público, este mesmo Relator, ao denegar a ordem, citou a jurisprudência dominante emanada da Corte Superior deste Tribunal de Justiça:
"Reserva legal – Interpretação do artigo 16 do Código Florestal – Condicionamento de atos notariais à exigência prévia de averbação da reserva – Falta de amparo legal – Direito líquido e certo de propriedade – Garantia constitucional – Segurança concedida. – A interpretação sistemática do artigo 16 do Código Florestal nos conduz ao entendimento de que a reserva legal não deve atingir toda e qualquer propriedade rural, mas apenas aquelas que contêm área de florestas. Logo, tem-se que o condicionamento dos atos notariais necessários ao pleno exercício do direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição Federal, à prévia averbação da reserva legal, somente está autorizado quando existir floresta no imóvel, o que não é o caso dos autos, pelo que se impõe a concessão da segurança" (MS nº1.0000.00.279477-4/000, julgado em 25.6.2.003, acórdão publ.em 12.8.2003).
Como se vê, o ofício expedido pela ilustre autoridade apontada como coatora deixa clara a pretensão de que o paciente proceda diferentemente da orientação dada pela Corregedoria-Geral de Justiça, com base em decisão da Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que, ao ver e sentir deste Relator, nenhuma afronta há ao art. 16 do Código Florestal e muito menos à Constituição Federal, que, ao preservar as florestas, igualmente preserva e cobre com o seu manto protetor o direito de propriedade.
Induvidosamente, o teor do multicitado Ofício de nº 77MP/2005 é ameaçador de propositura de ação criminal por ato de improbidade administrativa, quando é sabido que nem tudo que é ilegal configura improbidade administrativa, que pressupõe, antes de tudo, enriquecimento ilícito da autoridade administrativa, que nem de longe representa a espécie "sub decisio".
É cediço que se concederá "habeas corpus"sempre que alguém sofrer ou estiver na iminência de sofrer violência ou constrangimento ilegal por abuso de poder.
Ao aviso deste Relator, o paciente está na iminência de sofrer ou está no mínimo ameaçado de sofrer constrangimento ilegal com a propositura de ação criminal por ato involuntário e por cumprimento de procedimento orientado por autoridade superior, ou seja, pela Corte Superior do Tribunal de Justiça.
Com essas razões, hei por conceder a ordem de "habeas corpus" preventiva para prisão ou para o sofrimento de ação criminal com lastro na matéria tratada neste.
Custas, "ex lege".
O Sr. Des. Erony da Silva – Sr. Presidente. Pela leitura do voto procedida pelo em. Relator, em relação a esse inusitado "habeas corpus", levando-se em consideração que o mesmo fez um análise detida da matéria, o meu sentimento, também, é pela rejeição das preliminares e concessão da ordem.
O Sr. Des. Paulo Cézar Dias – Sr. Presidente. Acompanho o em. Relator quanto às preliminares e quanto ao mérito, apenas deixando evidenciado que já conhecia a matéria, não o caso em si.
Súmula – REJEITARAM PRELIMINARES E CONCEDERAM A ORDEM.