Jurisprudência STJ:Direito Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Usucapião. Posse exercida apenas sobre parte de imóvel urbano. Impossibilidade Jurídica do Pedido. Extinção sem julgamento de mérito. Afastamento. Inexistência de vedação legal à prete

Jurisprudência STJ:Direito Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Usucapião. Posse exercida apenas sobre parte de imóvel urbano. Impossibilidade Jurídica do Pedido. Extinção sem julgamento de mérito. Afastamento. Inexistência de vedação legal à prete

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•Direito civil e processual civil – Recurso especial – Usucapião – Posse exercida apenas sobre parte de imóvel urbano – Impossibilidade jurídica do pedido – Extinção sem julgamento de mérito –  Afastamento – Inexistência de vedação legal à pretensão da autora – Recurso especial provido – O processo de usucapião extraordinária foi extinto sem resolução de mérito por suposta impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que a autora pretende usucapir área que, de fato, não possui – No entanto, tal fundamento não revela qualquer vedação legal à aquisição do imóvel, consectariamente, à pretensão de usucapi-lo – Em realidade, se de posse ininterrupta e sem oposição não se trata, como exige o artigo 550 do CC/16, cogitar-se-ia de improcedência do pedido e não de impossibilidade jurídica – A possibilidade jurídica do pedido consiste na admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional – Com efeito, inexistindo vedação legal à pretensão da autora, não se há cogitar de falta de condições para o exercício do direito de ação – Recurso especial provido.

 

EMENTA

 

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. POSSE EXERCIDA APENAS SOBRE PARTE DE IMÓVEL URBANO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. AFASTAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL À PRETENSÃO DA AUTORA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O processo de usucapião extraordinária foi extinto sem resolução de mérito por suposta impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que a autora pretende usucapir área que, de fato, não possui. 2. No entanto, tal fundamento não revela qualquer vedação legal à aquisição do imóvel, consectariamente, à pretensão de usucapi-lo. Em realidade, se de posse ininterrupta e sem oposição não se trata – como exige o art. 550 do CC/16 -, cogitar-se-ia de improcedência do pedido e não de impossibilidade jurídica. 3. A possibilidade jurídica do pedido consiste na admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional. 4. Com efeito, inexistindo vedação legal à pretensão da autora, não se há cogitar de falta de condições para o exercício do direito de ação. 5. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 254.417 – MG – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 02.02.2009)

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

Brasília, 16 de dezembro de 2008(data do julgamento).

 

Ministro Luis Felipe Salomão – Relator.

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Maria Pereira Martins ajuizou ação de usucapião extraordinária em face de Maria José de Oliveira, alegando exercer posse mansa e pacífica, há mais de 20 anos, sobre o imóvel localizado no Lote 01, Quadra 05 da Vila Oeste, bairro de João Pinheiro, Belo Horizonte/MG.

 

Por sua vez, Orlando Cândido da Silva, apresentou-se como confinante, sustentando que o pedido inicial descreve lote de área de 360 m2, mas que a autora somente ocupa área de 122,55 m2, sendo o restante ocupado por ele.

 

O MM Juiz da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte, extinguiu o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI), ao fundamento de que a autora não fez prova de sua posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre todo o imóvel requerido, mas somente de parte dele (127,55 m2).

 

Interposto recurso de apelação pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o Tribunal a quo manteve a sentença, cuja ementa do acórdão se transcreve:

 

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – POSSE AD USUCAPIONEM EXERCIDA APENAS SOBRE PARTE DO IMÓVEL USUCAPIENDO – IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO PARCIAL – PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. 1 – Se a posse é exercida apenas sobre parte do imóvel, juridicamente impossível torna-se o pedido do possuidor para ver declarado seu domínio sobre a integralidade do bem. 2- Não há falar-se em deferimento parcial do pedido de usucapião, por tratar-se de ação dotada de requisitos tão peculiares, que o autor passa a atuar como se estivesse reivindicando o domínio sobre determinado imóvel, que deve, de tal sorte, ser perfeitamente caracterizado. (fl. 220)

 

Inconformado, o Parquet estadual manejou recurso especial, arrimado nas alíneas "a" e "c" da norma constitucional autorizadora, no qual se alega, além de dissídio, violação dos arts. 459 e 460 do CPC, porquanto seria possível a parcial procedência do pedido deduzido na inicial.

 

Alega que a ação de usucapião, muito embora possua procedimento especial, vencida a fase das citações, e estando estas aperfeiçoadas, o processo toma o curso ordinário, aplicando-se-lhe as regras próprias do procedimento ordinário. Assim, não haveria óbice ao reconhecimento parcial da usucapião.

 

Sustenta, ademais, não poder ser considerado juridicamente impossível a declaração de domínio de área menor que a caracterizada na exordial, pois, além de ser divisível o bem imóvel, são perfeitamente individualizáveis as áreas possuídas dentro do imóvel usucapiendo. (fl. 236)

 

Sinaliza, por derradeiro, dissídio jurisprudencial em relação a arestos de tribunais diversos.

 

Com contra-razões (fl. 244), o apelo especial foi admitido (fls. 247/248).

 

Em parecer de lavra do Subprocurador Geral da República, Francisco Adalberto Nóbrega, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (fls. 255/259).

 

É o relatório.

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. O cerne da questão cinge-se em saber se é juridicamente possível o reconhecimento de usucapião quando o autor tem posse apenas de parte do imóvel.

 

No caso em exame, a usucapião foi extinta sem resolução de mérito por suposta impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que "a autora efetivamente possui apenas parte do lote que pretende usucapir" (fl. 224).

 

A usucapião, instituto de direito civil que remonta à Lei das XII Tábuas, é forma originária de aquisição de propriedade ou de outros direitos reais. Com efeito, no que interessa para o caso em exame, seria juridicamente impossível a usucapião pleiteada se o imóvel não fosse suscetível de aquisição.

 

No caso dos autos, para saber se o pedido de usucapião do bem é juridicamente possível, basta a perquirição acerca de vedações legais à aquisição do imóvel.

 

As razões que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido podem ser assim resumidas:

 

"Com a devida vênia, aquele que possui, posto que com animus domini, mansa e ininterruptamente, área de 122,55 m2 não pode pretender usucapir área de 360 m2, que é inclusive possuída por outrem, no caso vertente o apelado. Como a autora quer ver declarado o domínio de área que efetivamente não possui?" (fl. 223)

 

(…)

 

"E a razão dessa dissensão cinge-se ao simples fato de que a autora efetivamente possui apenas parte do lote que pretende usucapir. Não há, na verdade, possibilidade jurídica de declarar seu domínio sobre um "pedaço" do imóvel e nem ao menos cogitar-se em sua integralidade" (fl. 224)

 

(…)

 

"No caso vertente, a autora não atende aos ditames legais, pretendendo usucapir área que não possui". (fl. 224)

 

Como se percebe, o fundamento central do acórdão recorrido é o de que a autora pretende usucapir área que, de fato, não possui.

 

No entanto, tal fundamento não revela qualquer vedação legal à aquisição do imóvel, consectariamente, à pretensão de usucapi-lo. Em realidade, se de posse ininterrupta e sem oposição não se trata – como exige o art. 550 do CC/16 -, cogitar-se-ia de improcedência do pedido e não de impossibilidade jurídica.

 

Tal conclusão se extrai do fato de que o Código de Processo Civil adotou a teoria de Enrico Tullio Liebaman, acerca das condições da ação, denominada eclética, segundo a qual o direito de ação independe do direito material, mas é conexo com ele.

 

Assim, existirá direito de ação se for admissível o exame em concreto da relação de direito material exposta pelo autor, independentemente de este ter ou não o direito subjetivo pleiteado.

 

Em relação à possibilidade jurídica do pedido, condição que interessa ao desate da controvérsia, ainda invocando a doutrina de Liebman, consiste na admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional.

 

Leciona Humberto Theodoro Junior:

 

“Predomina na doutrina o exame da possibilidade jurídica sob o ângulo de adequação do pedido ao direito material a que eventualmente correspondente a pretensão do autor. Juridicamente impossível seria, assim, o pedido que não encontrasse amparo no direito material positivo.

 

Allorio, no entanto, demonstrou o equívoco desse posicionamento, pois o cotejo do pedido com direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda.

 

Diante dessa aguda objeção, impõe-se restringir a possibilidade jurídica do pedido no aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação como requisito prévio da admissibilidade do exame da questão de mérito.

 

Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2ª, o pedido mediato, contra o réu, que se refere aa providência de direito material.

 

A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor.” (Curso de Direito Processual Civil, vol.I, 47ª edição, 2007, p.64/65).

 

Com efeito, inexistindo vedação legal à pretensão da autora, não se há cogitar de falta de condições para o exercício do direito de ação.

 

3. Por tais razões, dou provimento ao recurso especial, para que o processo retome seu curso normal.

 

É como voto.

 

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